São Cipriano mais conhecido na tradição da Igreja Católica como São Cipriano de Antioquia é um requintado paradoxo, e na minha opinião, uma figura que vem resolver o dualismo filosófico provocado por um juízo moral errado do senso comum. A saber, a ideia que as pessoas geralmente têm, de que quem pratica ou recorre à Magia Negra tem necessariamente de ser alguém eticamente má. Então, a questão interessante a ser colocada pode ser esta: pode alguém ser um Mago Negro ou servir-se das Artes Negras e mesmo assim procurar realizar para si uma elevação e transformação espiritual? E ultimamente, o que é que constitui essa transformação se não uma ascensão para a realidade espiritual?
O Mito deste Santo tem muitas camadas e pontos de vista, quando alguém se detém em observar a veneração que lhe é dada nas tradições presentes desde a América do Sul à América do Norte (ele está mais presente nessas culturas do que na nossa cultura Europeia), onde é tido principalmente como o Patrono dos Magos, Bruxos e de qualquer pessoa dada às ciências ocultas, percebe-se que a tradição desses locais encontrou nele um exemplo de quem tendo na sua vida seguido as Artes Negras nunca deixou de através delas procurar a sua ascensão espiritual.
A vida deste Santo é bastante curiosa e boa de se saber. São Cipriano como relatam as fontes históricas e hageográficas foi um poderoso Mago, bem sucedido nas Artes Negras. Ele era especialista em Magia Negra de Conjuração, onde são relatados os seus muitos trabalhos na invocação e conjuração de Legiões de Demónios para aumento da sua sabedoria e para dominar as Artes. Contudo, aconteceu que um seu cliente certa vez pediu-lhe um trabalho de Alta Magia Negra contra a pessoa de Santa Justina. Aconteceu que esta Santa conseguiu repelir os espíritos impuros lançados por São Cipriano. Acontece, que Cipriano nessa altura teve uma revelação, e percebeu que apesar da cor negra da sua Arte, esta podia ser um meio de ascender espiritualmente. E, apesar de ter continuado um Mago Negro, ele converteu-se ao Cristianismo de então, muito diferente daquele que hoje se assiste, e pregou junto dos pagãos tendo convertido a muitos. Ao mesmo tempo, e a Igreja Católica tentou sempre apagar este facto, ele prosseguiu a sua sabedoria nas Artes Negras. Mais tarde São Cipriano tal como Santa Justina foram martirizados.
O que a Igreja Católica procura apagar é o outro lado da vida deste Santo. São Cipriano deixou-nos um Livro Negro; um Grimoirium famoso e temido através de toda a diáspora. O que é interessante sobre isso é a ambiguidade que este Grimoirium provoca em torno deste Santo, em parte por causa dos muitos mitos que estão associados a este livro. Uma dessas referências antigas, afirma que São Cipriano em verdade não se converteu totalmente ao Cristianismo, mas que este foi um meio para aprofundar o conhecimento das Artes e do seu próprio crescimento espiritual.
O Livro original de São Cipriano descreve todos os tipos de operações mágicas, desde pequenos feitiços até conjurações cerimoniais. Ele encontra-se intrinsecamente relacionado com o Grimoirium Verum. Tanto que encontramos no Livro de São Cipriano uma hierarquia dos espíritos infernais similar a este último. O que não deixa de ser curioso e que passa ao lado de muitas pessoas, para além dos mitos associados a ele, é que neste livro encontramos boa parte das raízes da tradição Umbanda e Quimbanda tão presentes no Brasil. Assim como a primeira vez que o li em português (Antigo Livro de São Cipriano: o Gigante e verdadeira capa de aço) encontrei nele imensas fontes brasileiras, feitiços e títulos que eram claramente brasileiros e não do próprio Santo. Isto deve-se à imensa influência que o livro deixou na cultura mágica brasileira. Tanto que hoje o livro chega-nos em português com mais da sua influência brasileira do que conteúdo verdadeiramente original de São Cipriano.
O que é realmente importante é que neste Santo encontramos alguém com um pé no lado Branco e outro no lado Negro. Ele demonstra com a sua vida, que é possível crescer no bem como no mal, que é possível ser se coerente praticando as Artes pelo seu valor e, que ao contrário do que o senso-comum diz, nem o dito «lado branco» ou «lado negro» são impeditivos no crescimento e elevação espiritual. Um exemplo disto, recorrendo à tradição brasileira, é que tanto umbandistas assim como quimbandistas e outros magos, quando têm de lidar com dificuldades espirituais recorrem muitas vezes a este Santo. Pois acredita-se que ele intercede junto dos praticantes das Artes, dando-lhes força, protecção e alento.
Por tudo isto, São Cipriano de Antioquia incorpora verdadeiramente esta visão mágica para mim, de alguém que soube levar a Arte até ao fim, e nela continuar a sua ascensão espiritual, pois bem e mal não têm cores, da mesma maneira que nem a Arte nem os seus praticantes e seguidores têm cores.
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