Então, tudo começa com a simples percepção de que o contacto a um nível físico move-se de fora para dentro. E aqui é fácil guardarmos as nossas fronteiras. Imaginemos o círculo mágico que se encontra diante de nós. Nele podemos nos defender e banir qualquer intruso: da mesma maneira que uma agulha que nos fere pode ser removida da nossa pele, a comida que nos parece estragada pode ser evitada, e também podemos evadir de um encontro desagradável com alguém com quem não queremos falar. A ideia chave é que nós estamos basicamente a ter controlo sobre o nosso corpo e a nossa fronteira com o mundo externo.
Contudo, o contacto interno (ou interior), move-se numa direcção diferente, a partir do interior para o exterior. Aqui as fronteiras são muito mais difíceis de guardar. A diferenciação entre o Eu e os Outros, entre o que é genuinamente nosso e genuinamente externo, torna-se um desafio de crescimento que dura toda a nossa vida. Todavia, o que temos de compreender em todos os tempos é que quando algo ganhou acesso ao nosso nível interior, ao nosso ser, este poderá nos mover contra nossa vontade para o exterior. Isto é, afectar o nosso sistema nervoso, o nosso corpo físico e ultimamente o mundo à nossa volta.
Portanto, os riscos e os perigos em estabelecer contacto são invertidos tanto a nível externo como interno. A nível externo o risco mais básico é o de um contacto físico que possa ferir o nosso corpo - como um acidente automóvel, uma agressão, violência doméstica etc... Uma vez que alguém já tenha experimentado algum destes e o seu corpo já se tenha reestabelecido, a nível interior o impacto sofrido continua, a cura do corpo não acompanha ao mesmo tempo a cura da nossa mente, os traumas físicos perduram nas nossas mentes. Somente nestes últimos dois séculos que começámos a compreender as nossas «feridas interiores», que muitas vezes se segue de algum trauma físico que tenhamos vivido. Nos nossos encontros quotidianos com a realidade exterior nós somente podemos observar e prever certos acontecimentos que outras pessoas poderão vir a fazer, mas não podemos prever com a mesma certeza o que vai na mente das outras pessoas. Isto, porque qualquer coisa relacionada com as nossas experiências interiores permanecem na maioria das vezes ocultas ao exterior.
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Diagrama da Compreensão do Contacto da Realidade Externa para a Interna. (Clique para ampliar) + Malleus Maleficium |
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Diagrama da Compreensão do Contacto da Realidade Interna para a Externa. (Clique para ampliar) + Malleus Maleficium |
Os Magos que desenvolveram um sentido forte de tocar e apreciar o mundo externo estarão mais preparados para as forças que terão de encontrar no mundo interno. Através do seu sentido de serem porteiros entre realidades, que sabem quando se devem abrir e fechar, estes fizeram diminuir a distância que vai do interior para o exterior.
Alcançar e treinar estas capacidades não é difícil, é uma questão de meditação e concentração. Por exemplo, na sua próxima refeição pare diante da comida que tem à sua frente. Não comece já a tocá-la, a comê-la. Mas imagine como vai ser a sensação de tocá-la e de mastigá-la, imagine o sabor, a sensação de descer pelo esófago, e imagine como aqueles nutrientes vão entrar no seu organismo e alimentar o seu corpo. O que é que experimenta quando faz esta experiência? Que reacções físicas se desencadeiam no seu interior? Que emoções isto liberta em si? De seguida, comece a comer. E compare o que lhe veio à mente com aquilo que agora está a experimentar. Todas as experiências externas movem-se para o interior, e é no nosso interior que as devemos de escutar e apreciar bem, de forma a treinarmos os nossos sentidos e sermos mais perspicazes dos seus efeitos ocultos até então em nós. Isto é a magia da realidade externa.
Agora, na realidade interior - frequentemente acedida através de sonhos ou de visões na nossa consciência - a chave para a abertura do sentido interior, relacionado com o que já vimos em cima, é um fluxo de poder de ordem inversa. As coisas podem parecer inofensivas no interior - uma imagem, um cheiro, um toque - mas elas podem desvelar o seu verdadeiro impacto na nossa realidade externa, pois muitas vezes a nossa realidade interna materializa-se na externa sem darmos conta disso.
Então, o que deve ser superado são os potenciais perigos da realidade interna, que são tão ou mais perigosos que o da externa. A verdadeira ventura para o Mago é conhecer estes perigos e evitá-los. A saber, os espíritos comunicam no nosso interior, e ao mago tentam subverter. A loucura é o maior perigo que os Magos enfrentam, até mesmo o suicídio como alguns que já conheci. Por isso, é saber escutar donde vêem certas moções interiores, donde brotam, qual a sua origem, para onde me levam? O conhecimento interior da forma como os sonhos, visões e moções do nosso eu fluem é fundamental, para qualquer um e não só para o Mago, são eles que permitem que evitemos os perigos do mundo interior, tanto sob a forma de depressões, como até de maldições sobre nós lançadas. Por isso, pare, escute o seu mundo interior, que emoções anda a sentir, com o que é que anda a sonhar, para onde é que o andam a levar essas moções e veja se o seu fim é bom, ou se é mau, se for mau, com treino poderá saber evitá-las.
Contudo, como tudo na vida, isto requer uma enorme disciplina, prática e atenção. Mas, principalmente paciência. Como tudo também na vida, o que é complexo pode ser fácil, mas o que é simples pode ser das coisas mais difíceis de alcançar.
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